APRENDER COM QUEM SABE MAIS, ENSINAR QUEM SABE MENOS

A Assembleia Parlamentar da CPLP chegou hoje a consenso sobre a necessidade de rectificações ao Acordo Ortográfico de 1990, por constatar que o documento “continua a gerar muita controvérsia e confusão” nos Estados membros da organização lusófona. Parafraseando o exímio Presidente João Lourenço, se “haver necessidade” então – citamos agora a ex-ministra da Educação, Ana Paula Tuavanje Elias – assine-se um “compromíssio”.

Por Orlando Castro (*)

A tomada de posição foi transmitida pelo presidente da Comissão 3 — Língua, Educação, Ciência e Cultura da Assembleia Parlamentar da Comunidade de Países de Língua Portuguesa (AP-CPLP), Paulo de Carvalho, no final dos trabalhos da segunda reunião deste organismo que decorreu em Luanda.

O deputado angolano recordou que a “ratificação do Acordo Ortográfico da Língua Portuguesa de 1990” foi o tema central deste encontro, onde os participantes constataram que o tratado, que visa criar uma ortografia unificada para o português, continua a gerar controvérsia.

“Constatamos o facto de o Acordo Ortográfico estar ainda a gerar muita controvérsia, muita confusão, mesmo nos países mais beneficiados, posso assim dizer, pelo acordo, também aí está a haver grande discussão, nomeadamente em Portugal e no Brasil”, disse.

Segundo o parlamentar, nos países africanos e em Timor-Leste a discussão em torno do Acordo Ortográfico “é maior”, por existirem “uma série de questões de natureza linguística, social e antropológica que não foram consideradas e que os executivos desses países têm vindo a reclamar”.

Recordou que Timor-Leste ratificou o Acordo Ortográfico com reservas, “porque também considera haver necessidades de correcções ao Acordo, assinado por todos os Estados membros da CPLP em 16 de Dezembro de 1990, em Lisboa, com Angola e Moçambique entre os países que não ratificaram.

A reunião da AP-CPLP, que decorreu em Luanda, deliberou “em consenso que há necessidade de fazer rectificações ao Acordo para que o mesmo possa ser ratificado proximamente”, realçou Paulo de Carvalho, admitindo que quanto mais cedo se fizerem as rectificações “mais cedo os executivos e parlamentos dos Estados que ainda não rectificaram vão fazê-lo”.

Unificar normas ortográficas a nível do bloco lusófono estão entre os principais propósitos deste tratado internacional assinado há 33 anos e que tarda em ser ratificado por todos os países da CPLP, que levantam questões de natureza sociocultural dos respectivos povos.

O encontro, em que Angola assumiu a presidência rotativa do órgão por um ano, contando com a vice-presidência da Guiné-Bissau e o secretariado de Portugal, também deliberou temáticas a serem discutidas em próximas reuniões, nomeadamente a difusão da língua portuguesa nas repúblicas da Guiné Equatorial e Timor-Leste e as universidades de língua portuguesa, proposta por Portugal.

Angola, Brasil, Cabo Verde, Guiné-Bissau, Guiné-Equatorial, Moçambique, Portugal, São Tomé e Príncipe e Timor-Leste são os nove países que compõem a CPLP.

De facto, quando o mais alto magistrado de Angola, general João Lourenço, diz “se haver necessidade” em vez de “se houver necessidade”, não se está a falar de uma variante angolana da língua portuguesa ou de um qualquer acordo ortográfico. Está a falar-se de ignorância e iliteracia. Mas não está só, reconheço. E então quando se junta, seja na esfera pública ou na privada, a impunidade da incompetência… temos o retrato exacto de Angola.

Como certamente nos diria Samuel Pedro Chivukuvuku, em vez de todos lutarmos pela excelência para conseguirmos ser bons, lutamos por ser apenas bons e assim não passamos da mediocridade. Acresce que, por gozarem de impunidade institucional, os medíocres consideram-se excelentes e deles será o reino…

Quando a então ministra da Educação, Ana Paula Tuavanje Elias, falava de “compromíssio” em vez de “compromisso”, não se está a falar de uma variante angolana da língua portuguesa ou de um qualquer acordo ortográfico. Está a falar-se de ignorância, iliteracia e valorização da impunidade.

No dia 3 de Maio de 2022, o ministro das Relações Exteriores angolano, Téte António, destacou a “relação secular” de Angola com a língua portuguesa e considerou a comemoração do Dia da Língua como um ganho da diplomacia da Comunidade dos Países de Língua Portuguesa (CPLP). Mesmo que a língua portuguesa seja assassinada todos os dias, até mesmo pelos mais altos dignitários do país.

“Ao falar da língua portuguesa, permite-se falar do legado de, já no século XV, os nossos ancestrais terem tomado a decisão de assumirem a língua portuguesa como a língua da corte, à época as escolas eram florescentes e aí já circulavam professores”, afirmou Téte António.

Segundo o ministro angolano, que presidiu na altura, em Luanda, à cerimónia solene alusiva ao Dia Mundial da Língua Portuguesa, Angola tem uma relação secular com a língua portuguesa, porque em alguns reinos, como do Congo, já se falava na época o português.

“Porque na região teriam sido abertas as primeiras escolas não tradicionais e terá sido a primeira região africana a dedicar-se no ensino de uma língua de origem não africana”, descreveu. “Dedicar-se no ensino” ou “dedicar-se ao ensino”?

O Presidente da República, João Lourenço, exigiu em Junho de 2020 mais qualidade no ensino e considerou a formação do homem como uma aposta para “corrigir muitas deficiências” que o sector enfrenta. Tem razão. E, reconheça-se, não é por culpa do MPLA que só está no Poder há… 49 anos. Citando o vernáculo do próprio presidente, se “haver” necessidade, os angolanos aceitam um “compromíssio” (agora citando a ex-ministra da Educação, Ana Paula Elias) para assim continuar por mais 51 anos.

O ESPELHO DE UMA ESPÉCIE DE PAÍS

Um jovem angolano de elevado potencial, doutorado, apresentou a sua candidatura espontânea a uma eventual vaga para ser jornalista do Folha 8. Quando lhe foi solicitado o envio de um texto de conteúdo livre para análise, ele afirmou que queria ser jornalista só na televisão, no caso na TV 8…

Só na televisão? Então porquê? A explicação foi assertiva, sincera e paradigmática:

«Tenho uma boa aparência física, falo correctamente português. No entanto, escrevo muito mal. Se tivesse de escrever o que afirmo verbalmente seria um desastre. Se, na televisão, afirmar “a ver vamos”, ninguém sabe se estou a dizer “haver vamos”. Portanto…»

Em Outubro de 2021, o Governo do MPLA disse que o processo de harmonização curricular do ensino superior em Angola poderia entrar em vigor no ano académico 2022-2023 em todas as províncias do país.

Harmonizar significaria aumentar a qualidade, significaria valorizar exclusivamente a competência e banir não só a bajulação como a impunidade?

O anúncio foi feito no dia 5 de Outubro de 2021, pela ministra do Ensino Superior, Ciência, Tecnologia e Inovação, Maria do Rosário, no acto solene de abertura do ano académico 2021-2022, presidido pelo Presidente da República, João Lourenço.

De acordo com a ministra, o processo de harmonização curricular estava a ser conduzido por professores e especialistas de ordens profissionais que compõem as comissões curriculares nacionais.

No quadro da melhoria da formação de professores, Maria do Rosário deu a conhecer que se encontrava em fase de conclusão o primeiro ano de três cursos de mestrado em metodologias de educação nos domínios da infância, ensino primário e ensino da língua portuguesa, e estavam a ser capacitados 66 docentes para se tornarem formadores nos institutos superiores de ciências da educação.

Os estudantes destes cursos de mestrado estavam a ser formados numa universidade portuguesa parceira e iriam frequentar estágios pedagógicos em Angola, com apoio de instituições públicas.

Para o ano académico 2021-2022, estiveram disponíveis cerca de 152 mil vagas em todo o território nacional, estando 58 por cento concentradas na província de Luanda.

A ministra do Ensino Superior, Ciência, Tecnologia e Inovação disse ser necessário reforçar a oferta formativa nas áreas da Ciência, Tecnologia, Engenharia, Matemática e Saúde.

“Continua a ser manifesta a preponderância das áreas das ciências sociais e humanas, com 53 por cento no seu todo, excluindo a das ciências da educação que contribuiu com 12 por cento das vagas, o que é insuficiente para os desafios da formação de educadores de infância e dos professores do ensino primário e secundário”, referiu.

Recorde-se, como mero exemplo, que Angola reiterou, em Nova Iorque (EUA), a inclusão do Português como língua de trabalho do Instituto Internacional dos Provedores de Justiça (IOI). A reafirmação foi feita pela provedora de Justiça de Angola, Florbela Araújo, durante a reunião dos directores do IOI, Região África, que decorreu no Fórum Cultural Austríaco, orientado pela presidente regional e provedora de Justiça do Quénia, Florence Kajuju.

Em Portugal, o Governo criou em 2022 um programa específico para os refugiados aprenderem a língua portuguesa. O programa foi considerado “essencial para apoiar” os refugiados na “integração e autonomia, seja na escola, no mercado de trabalho ou no dia-a-dia”, segundo a então ministra Adjunta e dos Assuntos Parlamentares de Portugal, Ana Catarina Mendes.

A ministra anunciou a criação de um programa de aprendizagem da língua portuguesa específico para refugiados, particularmente os provenientes da Ucrânia, com o propósito de apoiar a integração na comunidade.

“Estará em auscultação pelos parceiros sociais, a portaria que alargará aos deslocados da Ucrânia e a outros destinatários o acesso a aulas de português. Esta medida insere-se no importante reforço da aprendizagem da língua portuguesa através de um programa específico para refugiados”, disse Ana Catarina Mendes, na audição no parlamento no âmbito da discussão na especialidade da proposta de Orçamento do Estado.

A então governante sustentou que este programa vai ser “essencial para apoiar” os refugiados na “integração e autonomia, seja na escola, no mercado de trabalho ou no dia-a-dia”. Ana Catarina Mendes frisou que a medida não é exclusiva para refugiados provenientes da Ucrânia.

Sobre este assunto, registe-se que foi considerada “inconstitucional” a tese do Folha 8 que dizia: “Todos devemos aprender com quem sabe mais e ensinar quem sabe menos”. Isto porque se institucionalizou a regra de que ser ignorante é um acto revolucionário.

(*) Com Lusa

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